Transtorno bipolar na infância e adolescência é difícil diagnosticar?

Por  Miguel Boarati*, psiquiatra 

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O transtorno bipolar (TB) é uma psicopatologia caracterizada por alterações graves no humor e que cursa com fases de mania (períodos de humor eufórico, grandiosidade, aumento de energia, alegria extrema, etc) alternando com episódios de depressão. O TB é um quadro que impacta o indivíduo e seu círculo social, comprometendo seu funcionamento global, relacionamento familiar e social, além de provocar prejuízos ocupacionais. O diagnóstico do quadro é complicado em adultos, levando em média 10 anos para se realizado, pois normalmente ocorre predominância de fases depressivas, o que induz ao erro os profissionais de saúde envolvidos no tratamento desses indivíduos. Em crianças e adolescentes o desafio pode ser ainda maior, pois as fases não são muito bem definidas.

O TB de início na infância e adolescência, normalmente, está associado a outras comorbidades. Ele pode se instalar paralelamente a um transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), transtornos de conduta, transtornos ansiosos ou mesmo com transtornos alimentares. O tratamento nesses casos precisa ser muito específico, pois os transtornos associados podem mascarar o diagnóstico de TB. “O primeiro problema a ser resolvido nesses indivíduos é a estabilização do TB, pois a partir do controle deste é que se sabe a extensão da comorbidade”, diz o especialista. Além disso, deve envolver a abordagem psicoterápica, terapia familiar, fonoterapia e reabilitação pedagógica.

Diferentemente dos adultos, o TB na infância e na adolescência esbarra em peculiaridades relacionadas à fase de desenvolvimento em que a criança ou o adolescente se encontra: de um lado as crianças, muitas vezes, não conseguem descrever o que sentem. Já na adolescência, uma idade crítica por natureza, o transtorno se confunde com os dramas da fase e pode ser agravado por fatores como a convivência social com indivíduos desajustados.


Idades diferentes, fases diferentes 


“As crianças apresentam dificuldades em falar com clareza sobre os próprios sentimentos, o que pode dificultar, para os pais e para os profissionais que as acompanham, a identificação imediata da doença. Definir episódios depressivos ou maníacos nesses indivíduos fica ainda mais difícil. O que vai denotar o transtorno, muitas vezes, é quando se nota uma mudança no padrão de comportamento dessa criança, como por exemplo, a apatia e o desinteresse por brincadeiras ou mudanças no padrão de sono e de alimentação”,

A “ciclagem” – alteração entre as fases – nas crianças pode ser muito rápida, havendo alternância entre as fases em questão de horas ao longo do dia. “A criança pode estar apática durante a manhã e logo depois eufórica, brincando, correndo. Isso confunde quem observa e dificulta a procura por ajuda especializada. Entretanto, quando se tem ideia de que pode se tratar de um transtorno, é possível que os pais ou responsáveis busquem auxílio.

Na adolescência, entretanto, a coisa se complica. Para os adolescentes, arriscar e desafiar o novo, buscando novas sensações é um padrão comum de funcionamento, sendo visto como parte integrante daquela fase da vida. Além disso, outros quadros psicopatológicos comuns na adolescência, como o transtorno de conduta, também apresentam comportamento semelhante ao observado em um adolescente bipolar em fase de mania, como por exemplo, a presença de agressividade, impulsividade e de quebra de regras.

Por conta dessa impulsividade e agressividade extremada, esses adolescentes bipolares podem acabar sendo isolados pelos pares – o inverso do que acontece com as crianças bipolares, que optam por se isolar. Esse isolamento social pode ser um fator complicador, pois esse indivíduo pode acabar procurando refúgio em círculos sociais (turmas de amigos) mais desajustados.

Os adolescentes com esse comportamento ‘transgressor’ acabam se solidarizando. No geral, isso é ruim, pois os membros do grupo podem acabar compartilhando e reforçando os comportamentos de risco uns dos outros, como o abuso de álcool e outras drogas, ou mesmo o comportamento violento e antissocial.


Adesão ao tratamento pode ficar comprometida nos adolescentes 


Na adolescência, a independência e proatividade também são mais salientes. Isso quer dizer que a adesão ao tratamento para o transtorno não depende apenas dos pais. As crianças mais novas são levadas pelos pais, que acompanham de perto a evolução. Nos adolescentes, isso se complica, pois os pais, por vezes, não conseguem ter ascensão sobre os adolescentes, deixando-os “mais soltos”. Se um adolescente resolver faltar à sessão ou interromper o tratamento, os pais poderão apresentar mais dificuldades, não conseguindo valer da autoridade e forçá-los a voltar.

Por isso, os pais devem ficar mais atentos nas fases iniciais da doença e do tratamento, pois a continuidade na intervenção é mais fácil quando esses indivíduos já estão mais estáveis. Lembrando que o transtorno bipolar do humor não tem cura, mas pode haver remissão do quadro. A condição pode ser estabilizada, mas isso não exclui a volta de novas oscilações ao longo da vida. O acompanhamento deve ser permanente e o indivíduo conscientizado da importância do seu comprometimento com o tratamento. Os pais e o paciente devem estar atentos essa condição”.


Vida acadêmica é um indicador importante 


Para os pais, fica a dica: acompanhar o histórico escolar dos filhos – não somente as notas, mas as alterações de comportamento, padrão de sociabilidade, respeito às regras e figuras de autoridade. Esses são dados fornecidos pelos professores e coordenadores pedagógicos e que podem muito auxiliar no diagnóstico – é o melhor indicador de transtornos mentais que possam vir a se instalar, especialmente o TB.

O ambiente escolar é um local externo do convívio familiar, e acompanhar a evolução dos filhos nesse ambiente é importantíssimo: as alterações de comportamento observados na escola podem dizer muito sobre a saúde mental das crianças. Se as notas caem repentinamente, a criança não se concentra ou mesmo ocorre uma regressão no processo de aprendizagem, isso pode ser indicativo de alguma alteração.

Nesses casos é importante uma avaliação de um profissional de saúde mental, especialista em crianças e adolescentes, pois como vemos, o conhecimento sobre as especificidades da idade são pontos-chave para um bom diagnóstico e um tratamento eficaz para as condições que estejam se desenvolvendo. A avaliação de outros profissionais, como psicopedagogos, psicólogos e fonoaudiólogos, são de fundamental importância, pois como vimos, essa é uma condição que afeta o desenvolvimento da criança e do adolescente nas diferentes esferas de sua vida.

*Dr. Miguel Angelo Boarati é psiquiatra da Infância e Adolescência, coordenador do Ambulatório de Transtornos Afetivos PRATA-SEPIA IPq-HCFMUSP,  autor dos livros “Transtornos Afetivos na Infância e Adolescência: Aspectos Clínicos e Comorbidades” e “Transtornos Afetivos na Infância e Adolescência”. Participou como especialista convidado do Papo de Mãe sobre “Transtorno Bipolar “, “Fobias” , ” Desfralde e Enurese Noturna” e “Mães com Profissões de Risco”.  

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