Psicóloga e médico psiquiatra dão opções para que os pais ajudem seus filhos durante tempos de novo coronavírus
A pandemia do COVID-19 estabeleceu uma súbita e prolongada mudança na rotina das famílias, pais e crianças estão agora em maior tempo dentro de casa tentando desempenhar rotinas com restrição de espaços e de possibilidades. Tudo isso gerará ao longo dos dias e semanas muito desgaste e um sentimento crescente de frustração e angústia, e os pais poderão se sentir perdidos e sem saber que rumos tomar.
Os pais que já apresentavam anteriormente dificuldades em lidar com os filhos na rotina habitual, agora em uma experiência de isolamento, precisam dar conta de uma nova rotina que se apresenta com a urgente necessidade de cuidar da casa, dos filhos, dos afazeres escolares e da própria atividade profissional para os que estão trabalhando de casa, e na maioria dos casos sem funcionários auxiliares.
A atual situação de aproximação entre os pais e as crianças evoca sensações e sentimentos difíceis de lidar e por isso comportamentos disfuncionais aparecem e/ou pioram. Nos últimos dias ouvimos muitas vezes de diferentes pais frases do tipo: “Não é fácil lidar com ele (a) normalmente, imagine agora,todos trancados em casa…” ou “não sei como ajudar meu filho a fazer as tarefas de casa nos prazos, ele se opõe a tudo”.
Sugestão: Entrevista com Dr. Moises Chencinski, pediatra, sobre coronavírus e crianças na pandemia
Considerando este momento de mudanças radicais esse texto se propõe a trazer orientações e dicas baseadas em conceitos da Análise do Comportamento para melhorar as relações familiares, eliminando vícios de comportamento verbal e não verbal, saindo desta situação com comportamentos mais funcionais.
Antes de descrevermos algumas orientações e dicas que possam ser bastante úteis no dia a dia desse novo período, faz-se necessário descrever alguns conceitos básicos baseados na Análise do Comportamento
Conceitos básicos
Postura inicial dos pais | Os pais devem apresentar o novo formato de rotina sem estresse, com seriedade e credibilidade, mostrando para os filhos que eles também agirão da mesma forma. |
Disciplina | A disciplina no ambiente da casa mesmo com todas as alterações de rotina favorece que as crianças se sintam seguras |
Modelo | Os pais precisam lembrar que os filhos estão atentos ao ambiente e observam se os pais também fazem o que pedem para os filhos fazerem |
Consequências e como Consequenciar | Todo comportamento (toda escolha) tem consequências, e é por elas mantido *. E os pais precisam observar como consequenciam os bons e os maus comportamentos dos filhos |
Aprendizagem | A aprendizagem de novos comportamentos ocorre muito mais por modelos (modelagem) dos padrões comportamentais dos pais do que por instruções verbais. Não perca tempo com discursos, faças regras de “se….então” |
Comportamento | *Todo comportamento é mantido por suas consequências. Preste atenção em como você reage aos comportamentos dos seus filhos. Comportamentos inadequados e que não oferecem risco para a criança e para terceiros, devem ser ignorados (por exemplo birras). Comportamentos que causem danos físicos precisam sem contidos sem agressão ou punição física (lembre- se de que você é modelo). Comportamentos adequados precisam ser elogiados (não podem ser considerados apenas como “não fez mais do que obrigação”) |
Treino | Para mudar comportamentos que praticamos há tempos, precisamos treinar e persistir no treino |
Regras | As regras organizam e para tanto precisam ser bem explicadas pelos pais, assim como precisam ser claras as consequências do cumprimento ou não das mesmas |
Limites | Limites devem ser definidos e explicados de forma objetiva e simples para que as crianças entendam e aprendam a respeitar os próprios limites e os dos familiares |
Hierarquia | Os pais precisam lembrar e ensinar os filhos, sobre a hierarquia que existe entre eles e os filhos. “Amigos seus filhos podem ter muitos, pais sóvocês” |
Controle monitorado | Controlar monitorando, conforme regras previamente explicadas, é educativo. Diferente de um controle excessivo, que sendo aversivo e punitivo, impede a criança de compreender as regras, e pode evocar sentimentos e emoções ruins, além de resultar em comportamentos de contra-controle, como mentira e oposições, por exemplo |
Divisão de tarefas | O trabalho deve ser dividido entre os pais de maneira adequada. Um não pode ser o que sempre coloca a regra e limite e outro sempre o que premia e elogia |
Alinhamento Parental | Os pais devem conversar e tomar decisões nos “bastidores” e não na frente das crianças. Os pais não podem de forma alguma desautorizar o outro, mesmo que não concorde com a conduta, isto precisa ser feito longe das crianças |
Após estes conceitos é importante salientar que esse é um momento de mudança obrigatória tanto na rotina como em alguns comportamentos estabelecidos pelos pais. Novas regras precisarão ser estabelecidas e para tanto os pais terão algum trabalho no início, mas os resultados compensarão todo o esforço empreendido.
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Seguem abaixo algumas dicas que poderão ser adotadas com crianças de 01 a 10 anos.
Escola em casa | É importante definir nesse momento que a escola agora é em casa e as regras que são adotadas lá também ficam valendo aqui. Portanto, nada de pijamas! É preciso definir o horário de funcionamento da sua “escola em casa”. Se seus filhos não se envolvem com as atividades escolares propostas evitem brigar, gritar, fazer discursos. Apenas aborde com calma e seriedade que são tarefas a serem corrigidas pela escola e forneça modelo de sua dedicação às suas tarefas. Após o horário da “escola em casa” é preciso ter uma rotina também definida, como por exemplo os horários de refeições, horários de atividade profissional dos pais, atividades de vida diária como banho, higiene em geral, horários de atividades em família. As atividades da escola não são um simples passatempo, mas são atividades que precisam ser realizadas com comprometimento . |
Refeições | É muito importante manter rotina em família nos horários de refeições, café, almoço e jantar, e lanches. “Coma o que quiser dospratos oferecidos” e se não quiser comer, aguarde a família terminar, sabendo que a próxima refeição será em determinado horário (não substitua a refeição pulada). Temos nessa fase a preocupação com as guloseimas e a falta de controle alimentar pela exposição dos alimentos em casa, vale para os pais também…olha o modelo! |
Jogos, eletrônicos, televisão, celular e tablets | A dificuldade de controlar os horários de jogos eletrônicos dos filhos é um velho problema conhecido de muitas famílias e, nesse momento o isolamento em casa dificulta a situação. Mas vamos na carona das novas regras e definir horários para as atividades de lazer, que sendo em geral coisas das quais os filhos gostam muito, portanto, seus reforçadores. Vai mesmo dar trabalho para mudar, mas sejamos persistentes. Definir horários de por exemplo, 40 minutos ou uma hora duas vezes por dia, se não quiser cumprir o horário, perderá o direito do segundo horário do dia, manter no dia seguinte a mesma regra. |
Atividades em família nos finais de semana | Jogos em família, principalmente nos finais de semana (como por exemplo dominó, dama, baralho, Lince, memória, resta 1, jogo da velha, entre outros, sempre em coerência com a idade dos filhos), atividades artísticas como desenhos coletivos, colagens, teatro, leituras, pinturas, mímica, dança, entre outras. Atividades como festa do pijama, sessões de cinema com pipocas. Abuse da criatividade |
Contato com amigos e familiares | O isolamento físico imposto pela pandemia é talvez um dos pontos mais sofridos desse momento. Precisamos nos conectar com os amigos e familiares para matar a saudade, diminuir o estresse e dividirmos essa situação. Hoje a tecnologia facilita muito, mas é importante que esse contato seja feito de forma programada para que não atrapalhe na nova rotina estabelecida. Não é adequado que as crianças e adolescentes fiquem o tempo todo no celular falando com os amigos. É preciso definir horários para falar com familiares e com amigos da escola. E certamente que não é preciso ser rígido, mas usar o bom senso, sempre com coerência e assertividade |
São orientações pontuais como essas que poderão harmonizar esse período tão turbulento, mas que também servirão para outras situações e contextos futuros.
Lembre-se, a família é para a criança um “porto seguro”, e promove sua aprendizagem de como ser funcional e assim, poder enfrentar todos os desafios que se apresentarão ao longo da vida.
*Andréa Callonere
Psicóloga Clínica
Doutora em Ciências IPUSP-PSE
Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento Mackenzie Especialista em Terapia Comportamental-IPUSP
**Miguel Angelo Boarati
Médico Psiquiatra da Infância e Adolescência
Colaborador do Programa de Transtornos Afetivos na Infância e Adolescência do IPq- HCFMUSP
Ilustrações: Luiz Augusto Callonere Cerqueira
Referência de ilustrações: https://www.freepik.com/free-photos-vectors/