Sexualidade do adolescente e a pandemia do COVID-19

A sexualidade do adolescente é um aspecto fundamental do seu desenvolvimento, que abrange questões emocionais, físicas e sociais. Durante a pandemia de COVID-19, houve impactos influenciados na vida dos adolescentes, incluindo mudanças nas sociais, na educação e no acesso aos serviços de saúde, o que também teve repercussões na vivência da sexualidade.

É importante reconhecer esses desafios e garantir que os adolescentes tenham acesso contínuo a informações sobre saúde sexual e contracepção, mesmo durante uma pandemia. Profissionais de saúde, educadores e famílias desempenham um papel crucial em fornecer um ambiente de apoio e educação que permite aos adolescentes compreenderem e vivenciarem sua sexualidade de maneira saudável e responsável, adaptando-se às circunstâncias únicas impostas pela situação da pandemia.

Dr. Miguel Boarati responde a algumas perguntas:

1 – A pandemia afetou a saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes? Se sim, como?

Certamente que sim.

O isolamento social e as restrições de eventos impediram que os jovens se encontrassem pessoalmente e com isso não puderam aprofundar o relacionamento social, afetivo e sexual.

Em geral, uma diminuição do desejo sexual foi relatada durante a pandemia de COVID-19, em ambos os sexos. Menos relações sexuais e comportamentos de vínculo entre parceiros foram associados à solidão e aos sintomas depressivos. Pelo contrário, um aumento no desejo sexual foi expresso em algumas pessoas, sendo a masturbação o meio mais preferível de satisfação.

Sintomas de ansiedade e depressão relacionados ao estresse geraram muitos prejuízos na resposta sexual entre os jovens.

Apesar disso, alguns jovens começaram a se relacionar logo após iniciada a pandemia, porém com bem menos possibilidade de aprofundarem esse relacionamento por não terem eventos para participarem (baladas ou viagens de formatura, por exemplo) ou por receio dos familiares de que acontecessem a contaminação pela COVID1,2

2- As ISTs, em geral, incidem mais significativamente na população mais jovem. Na pandemia, como ficou essa situação? Houve redução nas infecções? Subnotificação?

A pandemia impôs uma mudança busca no comportamento sexual dos jovens, especialmente na população mais vulnerável ou descriminalizada como os LGBTQA+, em parte pelo enfraquecimentos dos laços de apoio da comunidade e pelo menor acesso ao Serviço de Saúde, uma vez que houve saturação desses serviços pelas complicações decorrentes da contaminação pelo COVID e outras urgências3.

As medidas de controle e cuidado têm sido implementadas de maneira inconsistente.

Certamente há subnotificações dos casos uma vez que a procura pelo serviço de saúde básico ficará mais dificultado para esses casos nesse momento.

No entanto,  não podemos afirmar categoricamente que haverá uma aumento, estabilização ou aumento das ISTs

3- Tem como se falar em desenvolvimento/descoberta sexual de adolescentes em isolamento? Se sim, quais são as diferenças em relação à quando este processo ocorre presencialmente? 

A descoberta sexual começa com o próprio adolescente descobrindo seu corpo através da masturbação, o que com certeza não se reduziu durante a pandemia.

Mas  descoberta sexual plena acontece no encontro com o outro. Como esse encontro está limitado pelas restrições impostas pelo isolamento social evidentemente haverá prejuízos da experiência presencial.

No entanto, há a possibilidade da experiência sexual digital através da câmera com troca de vídeos e fotos (os chamados nudes) trocados não somente pelos jovens, como pelos adultos.

É uma experiência diferente que se ampliou nesse momento, assim como outras formas de encontros sociais que aconteceram nos encontros virtuais entre amigos.

4- O consumo de pornografia aumentou durante a pandemia. Como essa maior exposição dos adolescentes a esses conteúdos pode afetar a vida deles? Como afeta a saúde sexual e mental deles?

Diferentemente da pornografia produzida nos anos de 1980 e 1990 quando para se obter material pornográfico era preciso ir a uma locadora de vídeos ou banca de revistas, hoje em dia se consegue facilmente obter esse conteúdo gratuitamente na rede. Então, é de se supor que sim, teria havido um aumento do consumo de material pornográfico, principalmente em tempos de isolamentos social prolongado. Inclusive existem alguns estudos que avaliam esse aumento4,5

O acesso a pornografia em idade muito precoce poderá trazer distorções da compreensão da prática sexual pela imaturidade emocional e cognitiva principalmente das crianças mais velhos ou adolescentes jovens. Mas esse acesso a conteúdo pornográfico já ocorria anteriormente.

5- Além da pornografia, a “incidência” de formas de sexo virtual também foram alavancadas. Se houver, quais são os impactos disso na saúde sexual e reprodutiva de adolescentes?

Sim, o sexo virtual aumentou e com isso o risco da exposição permanente uma vez que poderá ter sido gravada e até identificada. Os jovens são os mais vulneráveis pela falta de malícia que apresentam no momento em que fazem gravações e fotos. O impacto pode ser devastador caso esse material produzido durante a prática do sexo virtual seja utilizado, principalmente quando o jovem é identificado.

6- O que podemos esperar em um cenário pós-pandemia? Aumento nas relações sexuais entre adolescentes? Eles irão querer “compensar” o período que passaram isolados?

Muitos jovens que já iniciaram sua vida sexual antes da pandemia poderão aumentar a prática sexual não somente para compensar o tempo de isolamento, mas também pela possibilidade de encontros em grupos e ocorrência de festas. Seria uma forma de “tirar o atraso”. É fundamental que se trabalhe com os jovens a conscientização do cuidado e prevenção, especialmente para evitar as chances de contaminação por ISTs.

7- Estudos norte-americanos apontam que o sexo desprotegido entre adolescentes pode aumentar. Isso também será uma realidade brasileira? Por quê?

Sim, em uma rápida revisão é possível levantar alguns estudos brasileiros que mostram um maior risco para a prática do sexo desprotegido principalmente da população LGBTQA+ e outras minores, em parte pela falta de fácil acesso aos serviços de saúde e em parte pela fragilização dos grupos de apoio6

8- O que pais, escolas e governo podem fazer para minimizar esses danos à saúde sexual e reprodutiva de adolescentes por conta da pandemia? E no cenário pós pandêmico, o que podem fazer para que jovens estejam seguros em seu desenvolvimento sexual?

A educação sexual é o principal caminho para minimizar todo o dano que se observará na saúde sexual e mental de jovens durante e após a pandemia.

A dificuldade em lidar com esse tema é antigo e independe do momento atual, mas certamente todas as consequências negativas impostas pela pandemia agravarão esse cenário.

Somente com uma mudança estrutural na forma de se trabalhar com a sexualidade humana, tanto em casa como na escola e na sociedade trará melhores resultados.

Infelizmente o que se percebe é um retrocesso no cenário atual, principalmente dentro dos programas desenvolvidos pelo Governo Federal com ideias obsoletas de restrição à informação e imposição de uma abstinência sexual irreal (para não dizer impossível) como única forma de tratar de um assunto tão sério e complexo não trará a resposta a essas demandas.

REFERÊNCIAS

  1. Sexual Activity in Adolescents and Young Adults through COVID-19 Pandemic

Androniki Stavridou, Chrysa Samiakou, Anastasia Kourti,1 Stauroula Tsiorou, Eleni Panagouli,1 Athanasios Thirios, Theodora Psaltopoulou, Theodoros N. Sergentanis, and Artemis Tsitsika

Children (Basel). 2021 Jul; 8(7): 577.

  • Sexual Health Implications of COVID-19 Pandemic

Corina Pennanen-Iire, MD, PhD, FECSM,1,2,∗ Mário Prereira-Lourenço, MD,3 Anna Padoa, MD,4,5 André Ribeirinho, MD, FECSM,6 Ana Samico, MD, FECSM,7 Marina Gressler, MD,8 Noor-Ahmed Jatoi, MD, PhD,9,10 Mehri Mehrad, MD,11,12 and Abby Girard, PsyD13

Sex Med Rev. 2021 Jan; 9(1): 3–14.

  • Impact of COVID-19 Pandemic on Sexual Minority Populations in Brazil: An Analysis of Social/Racial Disparities in Maintaining Social Distancing and a Description of Sexual Behavior

Thiago S. Torres,corresponding author1 Brenda Hoagland,1 Daniel R. B. Bezerra,1 Alex Garner,2 Emilia M. Jalil,1 Lara E. Coelho,1 Marcos Benedetti,1 Cristina Pimenta,3 Beatriz Grinsztejn,1 and Valdilea G. Veloso

AIDS Behav. 2020 Jul 31 : 1–12.

  • Porndemic? A Longitudinal Study of Pornography Use Before and During the COVID-19 Pandemic in a Nationally Representative Sample of Americans

Joshua B. Grubbs, Samuel L. Perry, Jennifer T. Grant Weinandy, Shane W. Kraus

Arch Sex Behav. 2021 Jul 19 : 1–15.

  • Internet and Pornography Use During the COVID-19 Pandemic: Presumed Impact and What Can Be Done

Hashir Ali Awan, Alifiya Aamir, Mufaddal Najmuddin Diwan, Irfan Ullah, Victor Pereira-Sanchez, Rodrigo Ramalho, Laura Orsolini, Renato de Filippis, Margaret Isioma Ojeahere, Ramdas Ransing, Aftab Karmali Vadsaria, Sanya Virani

Front Psychiatry. 2021.

  • Impact of the COVID-19 pandemic on the sexual behavior of the population. The vision of the east and the west

François Peinado Ibarra,1 Mehri Mehrad,2 Marina Di Mauro,3 Maria Fernanda Peraza Godoy,4,5 Eduard García Cruz,6,7 Mohammad Ali Nilforoushzadeh,2 and Giorgio Ivan Russo

Int Braz J Urol. 2020; 46(Suppl 1): 104–112

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