Crianças e adolescentes estão em pleno processo intenso e contínuo desenvolvimento, aprendendo a lidar com situações novas e difíceis, experimentando desafios, conhecendo seus limites e os ultrapassando.
São experiências fundamentais para torná-los capazes de lidar com os inúmeros percalços da vida e se tornarem adultos plenos e que possam cuidar das futuras gerações.
São nos diferentes momentos de desafios e dificuldades que problemas dos mais diferentes tipos podem surgir, mas que são superados com o suporte familiar adequado e com os próprios recursos internos
(emocionais e cognitivos) que as crianças e adolescentes já possuem.
No entanto, é possível que crianças e adolescentes apresentem em diferentes momentos e ao longo de alguns períodos que surgem episódios que se caracterizam como sintomas depressivos.
Mas como diferenciar esses sintomas depressivos da tristeza e angústia próprias da vida? Será que a depressão ocorrem em crianças e adolescentes? Como ela se comporta? E o que nós adultos (pais, familiares e professores) responsável pelo cuidado dessas crianças e adolescentes precisa perceber e o que pode ser feito?
Sintomas de Depressão Infantil
Sim, crianças e adolescentes, assim como adultos e idosos, podem apresentar a depressão clínica que é completamente diferente de um estado de tristeza e angústia transitória que surge diante de uma situação difícil.
Os critérios diagnósticos para se definir um episódio depressivo descritos tanto na Classificação Internacional das Doenças (CID) como no DSM-5 (manual de diagnóstico psiquiátrico da Academia Americana de Psiquiatria) em crianças e adolescentes são os mesmos utilizados para os adultos. No entanto, a apresentação clínica é diferente, pois crianças e adolescentes por estarem se desenvolvendo podem manifestar os sintomas de formas diferentes.
Para se definir um episódio de depressão é necessário que haja um período de pelo menos semanas em que a pessoa, independente da faixa etária, apresente humor deprimido e perda da capacidade de sentir
sensações prazerosas ou se divertir que chamamos de anedonia. Associado a isso surgem outros sintomas aparecem como piora do sono, do apetite, da concentração e da capacidade de tomar decisões. Além disso, a pessoa passa a ter sentimentos de inutilidade, e desejo de não mais viver.
Esses sintomas surgem de maneira a afetar a vida da pessoa, sem uma razão clara ou que a justifique e causa importante sofrimento emocional e físico.
Nos mais jovens, principalmente nas crianças, esses sintomas surgem sem que ela entenda o motivo de estar se sentindo assim. Isso acontece porque muitas vezes ela não compreende ou diferencia as emoções. Simplesmente a criança para quer brincar, isola-se e se recusa a estar com os amigos, começa a se irritar por qualquer coisa e se nega a fazer suas atividades necessárias como ir dormir, alimentar-se ou tomar banho. Ela pode ficar mais chorosa, quieta e começar a achar que ninguém gosta dela por ela não ser uma boa pessoa.
Em adolescentes esses sintomas se confundem com sentimentos de tristeza e flutuação do humor típicos da adolescência, mas em uma intensidade maior e com maior comprometimento do seu funcionamento
global. As notas escolares pioram e o adolescente passa a querer ficar mais tempo no quarto, mexendo no celular para não ver o tempo passar. Isola-se dos amigos ou rompe a amizade, não vê perspectivas de futuro, perde o interesse em se divertir e começa a falar em morrer como solução para tudo aquilo que está sentindo.
Outro comportamento muito frequente em adolescentes que estão deprimido é começar a se machucar ou fazer uso de substâncias psicoativas como o álcool e a maconha como forma de aliviar esses sintomas. Um dos maiores riscos associados à depressão é o comportamento suicida, principalmente quando os sintomas estão ativos e graves.
Por essa razão é importante quando se observa uma mudança de humor súbita e que afete o bem-estar e a funcionalidade das crianças e jovens. Uma vez instalada, a depressão comprometerá significativamente sua rotina e capacidade de realização e resposta a eventos estressores, tornando-se mais susceptíveis a responderem de forma inadequada.
A prevalência da depressão em crianças é em torno de 1 a 2% e em adolescentes em torno de 5 a 8%. A duração de um episódio depressivo varia conforme a população infanto-juvenil, mas é em torno de 2 a 6
meses, podendo ser maior em populações clínicas como portadores de doenças crônicas ou com outras patologias psiquiátricas.
Dentre os fatores de risco para o desenvolvimento da depressão estão a história familiar de depressão e transtorno bipolar, vivências traumáticas, baixa habilidade socioemocional, dificuldades escolares, problemas financeiros e a presença de transtornos mentais como TDAH e ansiedade.
Um episódio depressivo poderá remitir mesmo sem tratamento, mas poderá retornar dentro de 2 a 5 anos, normalmente com sintomas mais graves e com o risco de se tornar refratário a tratamentos convencionais ou desenvolver as chamadas comorbidades (que são doenças psiquiátricas associadas como transtorno de personalidade, abuso de substâncias ou outros transtornos). Por isso é considerada uma doença com recaídas e recidivas, sendo necessário que o tratamento e acompanhamento médico e psicológico se estenda além da melhora clínica.
No próximo post iremos discutir as formas de cuidado a serem adotados para que essa patologia tão grave e incapacitante seja adequadamente tratada.
Referências para aprofundar o tema:
1) Lee Fu-I e Miguel Angelo Boarati – capítulo “Depressão na infância
e adolescência e transtorno disruptivo da desregulação do humor”
no livro Transtorno do Humor na Infância e Adolescência/ editores
Lee Fu-I & Miguel Angelo Boarati e colaboradores – Porto Alegre:
Artmed, 2024, págs. 23-42.
2) Lee Fu-I, Miguel Angelo Boarati, Gustavo Nogueira-Lima, Tatiane
Maria Angelo Catharini – capítulo “Transtornos Emocionais” no
livro Psiquiatria da Infância e Adolescência: cuidado
multidisciplinar/ editores Miguel Angelo Boarati, Telma Pantano,
Sandra Scivoletto e cols. 2ª ed. – Santana de Parnaíba (SP): Manole,
2023, págs. 35-8