Previsto para agosto, o retorno às aulas está marcado por incertezas sobre como será a readaptação das crianças ao ensino presencial
A volta das aulas presenciais ainda gera muitas dúvidas e incertezas em toda a sociedade. De um lado, os professores que foram forçados, assim como os alunos, a se adaptar ao ensino remoto, e que temem os impactos disso. De outro, estão as crianças e adolescentes, que retornam depois de mais de um ano vivendo o isolamento social e sofrendo as consequências da pandemia global. É importante também mencionar os pais e mães, que tiveram suas rotinas mudadas e passaram a ter maior responsabilidade na educação dos filhos.
Como os professores devem se preparar? Como devem lidar? O que esperar do retorno das aulas presenciais? Como será para as crianças? E a quais sinais os pais devem estar atentos? O Papo de Mãe procurou algumas respostas.
A expectativa de uma mãe
Ligia Jalantonio é mãe de Miguel, de 5 anos, que está na educação infantil na rede pública. E ela trabalha no Programa Mães Guardiãs da Prefeitura de São Paulo, criado durante a pandemia para envolver as mães durante o retorno gradual no começo do ano. Elas colaboram checando o cumprimento dos protocolos de segurança sanitária nas escolas e supervisionando as crianças.
No caso de Ligia, o filho voltou parcialmente às aulas, mas há alunos da rede pública cujo retorno só vai acontecer em agosto. As famílias estão muito preocupadas com relação ao emocional das crianças porque foi muito tempo de afastamento social.
“Quando volta há uma melhora na coordenação motora, na socialização e na ansiedade”, percebeu Ligia, e completa:“As crianças ficaram muito arredias, então uma hora estavam muito felizes, em outra muito bravas. Agora, elas estão entrando em um equilíbrio emocional, o que está relacionado com a ida e a socialização na escola”.
Ela acredita que o impacto psicológico do retorno total será diferente para cada criança, de acordo com o que cada uma vivenciou na pandemia, se é de escola pública ou privada, de acordo com o bairro, com a realidade da família.
“Teve uma família que perdeu o pai e eles não voltaram presencialmente, as crianças não voltaram. Então, o que eu percebi foi que famílias que sofreram com perdas muito próximas, optam por não voltar às aulas, conta Ligia Jalantonio.
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Psiquiatra da Infância e da adolescência fala sobre o impacto emocional do retorno
De acordo com o psiquiatra da infância e adolescência Miguel Angelo Boarati, as crianças voltarão de um jeito diferente do que seria o retorno no segundo semestre do ano passado, muito mais cansadas, desmotivadas e com perdas, sejam elas acadêmicas, falecimentos ou problemas financeiros na família. Além disso, enquanto algumas crianças estarão muito empolgadas para o retorno às aulas presenciais, outras poderão sentir medo e resistência para retornarem.
Dr. Miguel Boarati explica que é importante que os professores tentem acolher as diferentes crianças que voltarão para a escola, lembrando que elas terão vivido um período longo de isolamento e ausência e que algumas crianças serão novas, pois foram transferidas durante a pandemia e não conhecem o ambiente e nem os professores.
Sobre os professores, o psiquiatra afirma que os profissionais também estarão ansiosos com esse retorno e, por isso, o preparo para receber as crianças passa pelo preparo do seu estado emocional: “Muitos professores também estarão sob o impacto emocional da pandemia. Por isso, acredito ser importante que a coordenação da escola tenha reuniões prévias para avaliar as expectativas dos professores, dificuldades enfrentadas e expectativas. O preparo emocional e técnico dos professores é essencial nesse momento”.
Em relação aos alunos, Dr. Miguel A. Boarati relata que todas as crianças e adolescentes, sem exceção, terão demandas e expectativas diferentes dependendo do que vivenciaram durante a quarentena, seja ansiedade, depressão, defasagem escolar ou estresse.
“É importante criar dentro do horário de aulas momentos e rodas de conversa para que se possa falar de como as crianças se sentem, quais são as expectativas e o que a escola espera delas. É importante que as crianças e adolescentes sejam agentes ativos nesse retorno”, explica o médico psiquiatra Dr. Miguel A. Boarati.
Ele reforça que é preciso ter paciência, escuta e uma pauta organizada de retorno. A cobrança deverá ser gradual. É preciso a preocupação com a parte acadêmica, mas sem deixar o emocional de lado.
Assim como Ligia Jalantonio, Dr. Miguel Boarati pontua a importância de considerar a diferente realidade das diferentes escolas, já que as escolas públicas e as escolas privadas têm realidades diferentes.
Pontos de atenção
O psiquiatra Miguel Boarati faz o alerta: “Se a criança demorar a se readaptar ao retorno, por motivo de recusa, rendimento escolar abaixo do seu potencial, faltas injustificadas, sinais de depressão como tristeza, isolamento e ausência de interesses, é preciso chamar a família e tentar entender o contexto. Também é preciso ficar atento a comportamentos autodestrutivos como automutilação, comportamento agressivo e opositor, principalmente quando não existia isso no histórico da criança”.
*Maria Cunha é repórter do Papo de Mãe